domingo, 18 de julho de 2010

O quadro

Amarelo.

Se alguém me perguntasse qual a cor em que penso quando penso nela, minha resposta seria essa: amarelo. Não sei exatamente o por que, e ninguém fez essa pergunta besta, mas eu pensei na resposta.
Diria que a cor do cabelo ajuda. Da cor da areia de um deserto. Seu vestido favorito também era amarelo, apesar dela sempre dizer que aquilo era bege-escuro. Mas é provável que o dia em que dissemos tchau seja a razão.

Aquele foi um dia amarelo.

Me lembro muito pouco das preocupações e sentimentos do dia, assim como das conversas e das pessoas. Lembro apenas de uma imagem, que ficou pendurada na parede da sala principal da memória, como um quadro bonito, pintado por um artista promissor e desconhecido.
Nele, ela está sentada na varanda que dá para a parte de trás da casa. Com os braços pendurados sobre as pernas e a cabeça afundada entre os joelhos. Não sei se chorava, não lembro. Minha imagem é estática.
Não é o sol que produz a lembrança amarela. O dia estava nublado, e o meu amarelo não é amarelo de sol. É um amarelo pálido, quase branco, da cor de um sorriso sem graça. Também não era a cor das paredes da casa, vermelhas como seus lábios.

O que estava amarelo era o ar.

A imagem aconteceu logo depois de percebermos que o fim estava ali, encostado na porta, nos olhando e se lamentando por presenciar uma situação tão patética. Então, acabou. O fim já havia construído um muro e feito uma porta entre nós, fazia já algum tempo. Nesse momento ele apenas passou a chave e foi embora, com um ar de que estava atrasado para outro compromisso mais interessante, como chutar pedras na rua.

Moramos juntos desde então, e eu nunca mais a vi.


josé


Quando pessoas especiais morrem, o mundo fica um pouco mais frio. Dia 18 de junho de 2010 foi um dia gelado. Eu devia ter notado, sinais não faltaram. Mas só no fim da noite, já de madrugada, provavelmente, eu escutei no jornal a notícia da morte de José Saramago.

No mesmo dia pensei em escrever alguma coisa aqui sobre ele, mas acabei deixando de lado. Hoje fui lembrado pela revista Ler & Cia, que por vezes acompanha a Gazeta do Povo - Saramago é a capa da edição de hoje.

Confesso que só li um livro seu: Caim, uma de suas últimas obras. Foi o suficiente pra passar de completo estranho a admirador. Humor, ironia, sagacidade, tudo muito bem definido, com um toque de "não-estou-nem-aí", em um texto original e inteligente. José Saramago é daqueles escritores que nos fazem parar no meio do livro inúmeras vezes para aproveitar toda a graça de uma frase ou uma situação, para então dizer 'essa foi boa'.

Tirando o estilo próprio - e cansativo para iniciantes, o português se assemelha muito a forma de escrever de Douglas Adams, criador da série Mochileiro das Galáxias. São mundos diferentes, mas ao falar de situações absurdas e distintas, ambos tratam do mesmo tema: o ser humano e seus absurdos. Ambos de forma engraçada e genial.

Dizem que era, e até ele se dizia, ateu. Não o vejo assim. Pelo muito pouco que conheço, vejo no escritor imortal alguém que não acreditava em religiões, mas sim em uma força que torna esse mundo ironicamente mais belo, agindo aqui e ali apenas por orgulho ou vaidade, ou talvez por ser o que seja necessário, fazendo da vida um mecanismo sarcasticamente funcional.

José Saramago deixou esse mundo por que a idade e a saúde não permitiram mais que ficasse aqui. Foi lançar seu olhar direto e sarcástico sobre outro lugar e tornar a existência por lá um pouco mais leve e interessante. Se lá, por acaso, for o céu, está fazendo Deus gargalhar.

"Eu, no fundo, não invento nada. Sou apenas alguém que se limita a levantar uma pedra e a pôr à vista o que está por baixo. Não é minha culpa se de vez em quando me saem monstros." José de Sousa Saramago

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Até quando esperar?


Nova aba, youtube.com. Ouvindo algumas músicas relacionadas até que aparece uma antiga: Gabriel, O Pensador - Até Quando. Já ouvi essa música milhares de vezes. É boa, eu gosto, tem uma mensagem bacana. Vou um pouco pra baixo e vejo em um comentário algo como "..e brasileiro burro continua votando em lula e em deputado ladrão". Pela primeira vez eu entendo realmente o que a música significa.

Pra muita gente o voto é a única maneira de mudar a política do país. Assim como xingar e ouvir música antiga é a única saída para não ouvir música ruim e atual. Assim como subir na vida significa ganhar um aumento de salário, e por ai vai.

Cansei de ver gente pregando a idéia de "voto consciente", por exemplo. É fácil. Basta pesquisar a vida política dos candidatos, avaliar os prós e contras do partido e pronto. É só escolher o melhor.

Mas e quando o melhor não é o suficiente?

O grande problema nisso tudo é esperar. Esperar que as eleições mudem a política. Esperar que o patrão aumente o salário. Esperar que Deus faça algum milagre.

Milagres acontecem todos os dias. As pessoas geralmente não vêem por estarem ocupadas demais pedindo e esperando que aconteça.

Quer um governo melhor? Não espere dos outros. Seja você um governante melhor. Por quê não? Não estou dizendo que todos os insatisfeitos com a política devam se tornar políticos melhores. É a atitude que importa. Se o sistema é burocrático demais, precisamos de propostas melhores. Se ninguém é ouvido, precisamos de canais melhores. É o espírito da iniciativa que conta.

Você quer música melhor? Faça música melhor. Não dá? Incentive quem consegue então. Divulgue uma banda de garagem que toque bem. Mostre o que é música de verdade pra quem não conhece. Não é tão difícil.

O cara diz "Até quando você vai levando porrada? Até quando vai ficar sem fazer nada?" e a única solução que você encontra é reclamar? Não. Nós podemos mais. Muito mais. A porrada não é do governo, não é da polícia. Quem soca o próprio rosto diariamente é quem espera a mudança através de um voto genérico.

A mudança sempre vem de dentro. Se a vida tá horrível, se tudo tá errado, só quem pode fazer alguma coisa a respeito é você. Deus dá as cartas. Nós precisamos jogar. Rezar por cartas melhores não vai adiantar.


Play the cards, show us what you got
What you're holding
If the cards are cold
Don't go folding
Lady Luck is gold
She favours the bold
(
Jogue as cartas, nos mostre o que você tem
O que você está segurando
Se as cartas são frias, não enrole
A dona sorte é dourada
ela favorece os ousados)

Rush - Roll the Bones

Por fim, a terceira e última referência musical. Eu não conheço como gostaria de conhecer a Plebe Rude. Mas, novamente, é o espírito que conta. Tem vídeos melhores dessa música, mas esse foi escolhido pelas palavras que o vocalista Philippe Seabra diz logo depois dos 3 minutos. Algo mais ou menos assim:

"..Então em vez de ficar passivo, sem fazer porra nenhuma, a gente fazia nossa própria cultura. Não tem roupa, a gente faz! Não tem festa, estaciona o carro em alguma quebrada, liga a luz e aumenta o som. Não tem música, então faz sua própria banda, cara! Para de ficar esperando de braço cruzado! Esse é o problema desse país. Não existe Sassá Mutema, não tem salvador da pátria. Acorda, porra!"

Até quando esperar a plebe ajoelhar, esperando a ajuda do divino Deus?





quarta-feira, 14 de julho de 2010

It's only Rock'N Roll..



Uma guitarra, um baixo, uma bateria (um piano, um saxofone...) e uma voz - ou algumas vozes. Todos esses elementos juntos formando um som. Por vezes perfeitamente harmônico, por outras completamente descompassado, depende da época. Três, quatro, cinco ou mais pessoas esperadas e idolatradas por multidões. Existe sempre uma expectativa, uma ansiedade. Até que o show começa.



Dia 13 de julho foi escolhido como Dia Mundial do Rock em 1985, em função do Live Aid, mega show beneficiente pelas vítimas da fome na África ocorrido naquele ano. Tudo muito bonito. Mas para quem gosta de música, todo dia é dia do Rock. Nenhum preconceito contra os outros estílos ou preferências, mas não dá pra negar que não existe música mais universal do que o rock'n roll.

Dos Beatles aos Ramones, de Ac-dc até Nirvana, o rock representa muita coisa. Ele é, dentro de si mesmo, várias formas, cores e vontades. Ele é a insatisfação contra o sistema, a indignação contra as diferenças, ou apenas a vontade de gritar em um microfone as dores e as felicidades.

O rock é a representação e o sonho de uma sociedade melhor.



Durante todo o século 20, jovens - ou não - viram no rock a chance de liberdade que o mundo concreto nunca lhes deu. Com essa liberdade, revoluções foram feitas, guerras foram paradas, muros foram derrubados.

Gerações inteiras foram marcadas pelas canções de seu tempo. A paz e o amor dos anos 60, ao mesmo tempo da vontade de mudar o mundo, o espírito punk do 'do it yourself', o metal, o grunge.

O rock é mais do que barulho. É mais do que música, simplesmente. Rock'n roll, em todas as suas formas, em todos os seus gêneros, foi a forma que a humanidade encontrou para contar através de músicas o que acontece no seu mundo. O que nós estamos contando, ou cantando, agora?

É difícil olhar para o mundo em que vivemos e dizer o que será lembrado no futuro. É assim, também, com a música. Apenas precisamos estar certos do que realmente estamos contando. O que estamos dizendo. Contra o que estamos lutando. Ou o que estamos amando. Rock é sinceridade. É, acima de tudo, paixão.

Felizes Dias do Rock.