sexta-feira, 30 de outubro de 2009

23:43



No terminal, esperando o ônibus. Ele vai chegar em 10 minutos. É o último da noite. Meu corpo está cansado demais para ir para casa a pé. Sento e espero.
Penso nos compromissos de amanhã, e como só pensar já me leva pra lá. O tempo não existe. São 23:44. Duas mulheres estão sentadas no banco ao meu lado. A ruiva é bonita, de rosto e de corpo, embora aparente já estar beirando os 40. A outra, loira. Não consigo reparar nela. Lembro da mulher que nunca esqueço, da menina que assombra minha alma, e dos sonhos jogados ao vento. São 23:45. Olho pra rua em frente, os carros passando, a cidade passando. As luzes. Cara, eu preciso de um carro. São 23:46. Minha mente está cansada. As mulheres ao lado começam a conversar. Desconhecidas tentando fazer o tempo passar mais rápido. Me distraio observando as pessoas, de um lado pro outro. Pra onde elas vão? De onde vêm? Que música é essa? Um casal para ao meu lado para ver o horário dos ônibus. Ela é bonita, ele tem uma tatuagem no ombro e o cabelo rastafari. Talvez ele seja quem eu queria ser. Alguém diferente de mim. São 23:48. Perdi 2 minutos. Ganhei 2 minutos. Lembro do futuro, o imagino. Observo as pessoas correndo, com medo de perder seus ônibus. Elas também devem precisar de um carro. Observo as pessoas do lado de fora do terminal. Dois homens conversando em um canto escuro. Vejo fumaça saindo da boca de um deles. Drogas? Só mais um negócio. São 23:51. Penso na noite, na lua dormindo no céu. Lua crescente. Sempre preferi a noite. Me sinto melhor. São 23:52. Penso na minha casa. O sono e a fome castigam. Penso na janta me esperando. O ônibus desponta na curva. Sensação de alívio. Um sujeito passa apressado na minha frente, mas sem correr. Quanto tempo ele tem? O tempo não existe. Na entrada do terminal, ele cruza com meu ônibus, que chega. São 23:54. A música era Eleanor Rigby, dos Beatles. Pessoas descem, pessoas sobem, eu subo. Não penso em mais nada.


Só o Paul, mas tá valendo

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Até que a morte os liberte



Escutar conversa no ônibus é uma relação social bastante interessante. As pessoas acabam demonstrando, sem querer, vários traços dos seus relacionamentos durante inocentes conversas em público. Quem nunca ouviu aquelas simpáticas senhoras falando sobre a vida da vizinha meretriz, ou do genro vagabundo, ou do filho estudioso, quase sempre com aquelas vozes amenas e suaves, parecidas com o som contínuo do trânsito as 6 hrs da tarde.

Pois bem, dia desses eu ouvi algo que me fez pensar sobre as relações humanas e tudo mais. Não foi nem no ônibus, foi esperando o meliante. Tava no tubo, ouvindo rádio no celular (meu mp3 faleceu já a algum tempo) com um fone apenas, em parte pra deixar a outra orelha atenta ao mundo, em parte por que o outro fone também não está mais entre nós, quando toca o celular da senhora ao meu lado. Ela atende e segue um diálogo mais ou menos assim:

-Ah, agora você ta aí!!
-Pois é, mas antes não tava!!!
-Não interessa! Tinha que estar em casa!
-Deixa eu falar com o meu filho..
-E acho bom que você esteja aí quando eu chegar!!
...
- Oi meu amor! Mamãe já tá chegando, tá?
- To levando alguma coisinha pra você comer
- Beijo, te amo. E ó, não deixa teu pai sair de casa hein?


Eu fiquei imaginando esse casal no começo da relação. Devia ser tão bom. Eles jovens, carinhosos um com o outro, realmente querendo estar sob o mesmo teto sem querer dar um tiro na pessoa amada. Deviam fazer sexo, no mínimo, umas 2 vezes por dia. Ai corta pra cena da conversa no celular. Deprimente.

As vezes parece que o tempo acaba com qualquer relação, principalmente as que envolvem sentimentos. Aí entra o casamento. Um contrato assinado que tem por objetivo destruir a ordem natural das coisas. Tudo na vida começa, acontece e acaba. A maior prova disso é justamente o amor, a paixão, o sentimento. Como diria Vinicius, 'que não seja eterno, posto que é chama'. É chama e se apaga. Minto, não acaba, nem se apaga, se transforma, em outra coisa que pode ser boa ou ruim. Mas isso é outro papo. O certo é que o que você sente não vai durar pra sempre. Mas ao invés de simplificar as coisas, ao invés de investir na sinceridade, nós nos prendemos ao expediente social. Tem um texto do Arnaldo Jabor em que ele escreve que o melhor a se fazer seria dizer um pro outro algo como "olha, vamos passar por bons e maus momentos e, mais cedo ou mais tarde, um dos dois, ou os dois vão querer pular fora, mas se eu não pedir que fique comigo, tenho certeza de que vou me arrepender pelo resto da vida".

Seria manter a beleza e a novidade do começo do relacionamento por ele todo, até que se acabe, naturalmente. Somente um sonho, talvez. Mas um sonho sem contrato. Iria doer, penso eu, terminar algo tão bom. Mas pelo menos nós não seríamos obrigados a ver algo que foi tão bom definhar e se tornar uma competição pra ver quem consegue ferir mais o outro, em nome do sagrado matrimônio. Pra não traumatizar as crianças. Por que terminar seria feio, moderninho demais. No fim, somos todos pedras paradas no mesmo lugar.

Toca Raul, de novo.


Ps: Odeio vídeo com imagens.