sábado, 30 de outubro de 2010

Come back and save us, Rinoceronte Cacareco

Alguém que não é militante de partido X-left ou Y-right está satisfeito com as opções de voto para a eleição presidencial de 2010?

Se no primeiro turno ainda existia a possibilidade de arriscar um tiro no escuro em nome de uma terceira via, agora resta apenas a árdua batalha de cada pessoa com sua mente. É o ato de decidir entre o menos pior, aquele que combina um pouco mais com seus pontos de vista - mesmo que ainda de longe.

Anular é uma opção tão válida quan
to escolher algum dos nomes disponíveis. Infelizmente, a tradicional lenda urbana de que seria possível suspender a eleição se os votos nulos chegassem a uma grande quantidade é, efetivamente, uma lenda urbana. Claro, existe o argumento de que o grande número de votos nulos vão servir como respaldo para mostrar que há muita gente insatisfeita com o que há por aí. No entanto, em efeitos práticos, a coisa se complica...

O país já se mobilizou para tirar um presidente do poder, e conseguiu. Anos depois, o povo reelege o cara - Collor foi eleito senador, em
Alagoas. Aqui no Paraná, foi deflagrado um esquema absurdo na Assembleia Legislativa. Nosso dinheiro e nossa fé das urnas foi para as mãos de funcionários fantasmas. A população foi às ruas, com uma indignação com prazo de validade. Correram as eleições, e os votos garantiram a permanência de gente que teve envolvimento direto nas maracutarias. E aí?

Arrisco dizer que a guerra diária de nosso povo é o que pauta o continuismo e o comodismo. Vivemos em correria, pelo sustento, pelo estudo, pelo que vier. A revolta só tem tempo para despontar diante das manchetes dos telejornais. E esta costuma morrer antes mesmo do tema de abertura da novela.


Mais fácil um dálmata andar de bicicleta do que a situação política mudar neste país.















(Eu avisei...)


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A revelação

Bomba!

Deus e o diabo são a mesma pessoa. É notícia quente, fonte segura. Tenho informações de dentro do esquema. Meu informante pediu sigílo absoluto, mas diante de tamanha importância do fato, decidi compartilhar com o povo. É meu dever como cidadão. Pra provar a veracidade da história, vou contar tudo que me lembro.

Era uma noite chuvosa em Curitiba. Após fazer amor com minha namorada Rosane, decidi tomar uma dose de Whisky. Fui até o bar e percebi que a garrafa estava vazia. Logo imaginei que Rosane pudesse estar bebendo escondida, o que explicaria aquele comportamento evasivo das últimas semanas, mas essa ideia rapidamente me pareceu estúpida.

Rosane estava especialmente desafiadora aquela noite. Por isso decidi esvaziá-la, dobrá-la e guardá-la em sua gaveta. Eu não aguentava mais olhar pra aquela boca aberta, com aquele ar de deboche. Nosso relacionamento estava por um fio.

Me vesti, fechei o apartamento e desci. A chuva estava forte, mas o Bar do Tonhão era logo ali na esquina. Cheguei lá encharcado e sentei no balcão, no mesmo lugar de sempre. Não reparei de primeira a figura sentada lá no canto, escondendo o rosto. Quando me dei conta, perguntei pro Tonhão quem era o tal, mas ele não soube dizer.

Depois de beber socialmente, como sempre, cambaleei até o desconhecido, não sem antes tropeçar nas 5 pessoas que estavam no caminho. Elas estranhamente eram muito parecidas e faziam os mesmos movimentos, mas essa cidade tem tanta figura estranha que eu nem me importei.

Chegando ao meu destino, abracei calorosamente o cidadão e perguntei qual a razão de tanta timidez. Ele também muito sóbrio, muito polido, desandou a chorar copiosamente e a falar coisas sem sentido. Só se acalmou quando eu pedi uma garrafa da pinga caseira do Tonhão.

Foi aí que ele me contou a história. Consta que meu amigo era secretário-geral do partido de Deus lá no céu. Uma espécie de anjo responsável pelas contas do negócio. Entre um copo e outro, ele disse que gostava muito do trabalho. Era meio massante, o pessoal era meio condescendente, mas o salário era bom e as festas de fim de ano sempre tinham Jesus Cristo em pessoa, animando a galera com piadas sobre a frouxidão de São Pedro.

Tudo corria muito bem. Até que um dia, depois de uma festa da empresa, meu informante estava procurando o banheiro quando, sem querer, entrou no camarim de Deus. Chorando novamente, ele me disse que nunca deveria ter bebido tanto aquela noite. Segundo ele, Deus estava lá, de frente para o espelho, vestindo uma roupa de diabo e fazendo caretas pra si mesmo. Ao ver meu amigo, o Senhor tentou disfarçar, dizendo que era apenas sua fantasia para a festa de dia das bruxas, que era um presente de Jesus, dado por pura molecagem, mas não teve jeito.

Deus então confessou. O verdadeiro diabo tinha desistido de reger o inferno séculos atrás, logo depois de perder a casa aqui na Terra numa aposta, o consequente abandono de sua mulher e dos amigos, e a inevitável depressão que isso causou ao pobre. Dizem que hoje ele vive no Hawaii, surfando nas horas vagas e cuidando de um restaurante.

Deus tentou arranjar um substituto, mas ninguém queria a responsabilidade de ser a encarnação do mau. O único jeito que Ele encontrou foi bater o cartão diariamente no céu e, em dias alternados, dar uma passada no inferno. Sentenciar alguns bandidos, definir alguns castigos, essas coisas que se faz por lá. Até aquele dia ninguém tinha descoberto.

Meu informante ficou abismado. Era agora conhecedor do maior segredo de Deus! Mas o Senhor, com a desculpa de manter o equilíbrio entre o céu e o inferno e essa besteira toda, disse que ele não poderia continuar sendo anjo sabendo tanto. Meu amigo ficou petrificado. Tentou argumentar, mas sem sucesso. Disse até que, em último caso, ficava ele no lugar do diabo. Diante dessa oferta, Deus levantou da cadeira, usou a máscara - única peça que faltava - e disse: "Sinto muito, camarada. Se eu aceitasse, como eu faria pra aturar aquele bando de gente chata sem descarregar minhas energias no inferno? Ninguém aguenta ser bonzinho o tempo todo não!" E paf, mandou ele aqui pra Terra.

Depois desse relato, minha fonte estava esgotada. Eu falei pra ele ir ao banheiro, lavar o rosto e se recompor. Quando ele levantou, deu pra ver as asinhas encolhidas por debaixo da blusa. Estava um trapo. Assim que ele foi, saí em disparada pela porta. Um segundo depois voltei, peguei a garrafa de pinga ainda pela metade e saí correndo de volta.

Enquanto caminhava de volta ao apartamento, pensei nas oportunidades que essa descoberta me proporcionaria. Enquanto pensava, tropecei na minha perna esquerda e caí na vala ao lado da rua. Cheguei à conclusão de que ali era um bom lugar para dormir. Enquanto pegava no sono, pensei em Rosane e no seu ceticismo. Ela nunca acreditaria em mim.


sábado, 23 de outubro de 2010

Marechal de asfalto

Maltratada, desnivelada, pisada e esburacada. A rua que leva e traz teria do que reclamar. Mas continua lá, levando e trazendo em silêncio. Aceitando com gentileza e servidão quem passa por cima e a trata com desprezo. Quem nem lembra que ela esta lá. A rua leva e traz quem não a conhece. Mas não faz mal. Lá no fundo, ela sabe que todos sabem da sua importância. É a segunda maior da cidade, afinal. São mais de 12 quilômetros de asfalto, buraco e um pouco de calçada.

Alguém talvez pergunte a razão de tanta submissão. “Ora, vamos lá, segunda maior? Tenha ambição!” dirá o inconformado. Dirá, inclusive, para ela usar a fama de rua mais perigosa da capital para assustar quem a quer assim, em segundo lugar. Mas deitada lá, no coração da cidade, ela responde em silêncio: “É o meu destino...”

Não por que os homens que a construíram assim quiseram. Seu destino começou a ser traçado muito longe dali. Em Maceió, no saudoso ano de 1839, nasceu alguém fadado a ser grande. Mas não a ser o maior. Floriano Vieira Peixoto nasceu para ser o segundo presidente do Brasil. Nasceu para ser o Marechal de Ferro. Apelido imponente. Másculo como o bigode que trazia sempre no rosto. E ai de quem o chamasse, mesmo nas horas mais íntimas, de “Flor”.

Quis a história que outro Marechal fosse o primeiro. Não satisfeita com o mal que isso causou a Floriano, quis também essa velha rabugenta chamada história que o primeiro fosse Manuel Deodoro da Fonseca, desafeto de Floriano. Quis a história que assim fosse. Deodoro da Fonseca, primeiro presidente do Brasil. Deodoro da Fonseca, proclamador da república. Floriano Peixoto, o vice. O segundo.

A rua sabe disso tudo e aceita seu destino. É assim que as coisas são. Vida de rua é difícil. Ser a segunda maior? Sem problema. A maior é a Juscelino Kubistchek, grande presidente. É merecido. Maus tratos dos carros e do tempo? Paciência. Ninguém mandou ser rua. Mas tem uma coisa que a irrita. Tem apenas uma coisa que a tira do sério e faz seu asfalto ferver.

Lá na frente, quando ela está quase no seu ápice, a outra está lá para cruzar o seu caminho. Marechal Deodoro da Fonseca, em carne e asfalto. No centro da cidade. Pra lembrar a todos quem foi mais importante. Durante todo o dia, ela não vê a hora do sinaleiro abrir pra seguir o seu caminho. Quando está ali, cruzando com a outra marechal, quase sai andando sozinha. Maldito destino.

Mas tem uma coisa que a rua não sabe. Quando os marechais se encontram, onde quer que estejam, e Deodoro começa a importunar Floriano, o Marechal de Ferro ajeita o bigode, se arruma dentro da farda e diz, com o queixo erguido, do alto da sua masculinidade: “Minha rua é maior que a sua”. Deodoro sempre fica sem resposta.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Bem-te-quer, mal-me-quer

Alguém me disse numa dessas últimas noites frias pra que eu não escrevesse apaixonado. De acordo com esse alguém, o sentimento acaba confundindo as idéias e atrapalhando tudo. Faz sentido. Pra escrever sobre alguma coisa, decidi escrever sobre a paixão em si então, e não com ela no coração. Ou, pelo menos, não sobre o que ela me faz, no momento.

Sobre a paixão de todos e suas razões.

Pra começo de conversa, beleza é importante. Muito importante. Quem diz que não tá mentindo. Pros outros ou pra si mesmo. Beleza atrai o olhar e te faz prestar atenção. Mas beleza, ao contrário do que prega o senso comum, a televisão e a tua avó, é um conceito bastante individual. Tem beleza que é óbvia e tem beleza que só é vista por alguns olhos. Particularmente, belezas particulares sempre me chamaram tanta atenção quanto belezas escancaradas. Depende do dia.

Beleza é importante. Mas nós não nos apaixonamos pela embalagem. Não só pela embalagem, pelo menos. Depois que a beleza, óbvia ou particular, chama a atenção, tem outros detalhes que completam o serviço sujo. Nós nos apaixonamos por uma mão gelada, que de alguma forma parece encaixar na nossa. Ou por uma atitude forte, que nos toma de surpresa num final de tarde que não prometia nada. Por uma personalidade imensa, que parece tomar conta de qualquer lugar que está. Ou por uma frágil, precisando sempre de colo.

Às vezes, nós nos apaixonamos pela idéia que fazemos de alguém, mas geralmente quando isso acontece, a realidade é dura demais e nos faz perceber que idéias são fortes, mas não suficientes. Nós nos apaixonamos de verdade mesmo por um abraço. Ou por uma risada sincera. Pela sinceridade em si, ou, às vezes, pela preocupação que a outra pessoa tem em fazer com que a realidade pareça menos chuvosa e nublada.

Ele era pobre, tinha uma profissão sem futuro e nem era tão bonito assim. Mas depois da primeira conversa, ela não pensava em outra coisa a não ser contar pra melhor amiga como ele era fofo e educado. Ou grosso e mulherengo. Ou inteligente e engraçado. Depende. Não tem explicação. Às vezes nós nos apaixonamos porque somos carentes e a outra pessoa demonstrou interesse. Cético demais? Talvez. Mas acontece.

Ela tinha um nariz meio estranho, mas era engraçada naturalmente, sem forçar, além daquele beijo vertiginoso e aquele corpo dentro dos padrões. Ele não queria compromisso, mas sem perceber tinha ciúme até dos postes na rua e pensava nela com um sorriso idiota no rosto. Não dá pra planejar. Às vezes nós nos apaixonamos perdidamente por alguém que pede ajuda pra encontrar o carro no estacionamento de um shopping as 3 da tarde de um domingo mais ou menos. Piegas demais? Com certeza. Mas acontece.

Paixão não é amor. Sei lá o que é amor, na verdade. Deve ser se apaixonar todo dia, de formas diferentes, pela mesma pessoa. Ou todos os meses, pelo menos. Amor deve ser não tentar afogar o companheiro no aquário do quarto das crianças depois de 10 anos de casamento. Só imaginar a cena ainda é amor, eu acho.

Amor é complicado. Vamos voltar ao foco. Nós nos apaixonamos pelo jeito de andar. Ou pela postura. Ou pelos pés. Ou por uma boca.
Ou pela cara séria que ela faz quando tá no teatro. Ou pelo jeito debochado que o outro tem de falar. Tem gente que se apaixona até porque a pessoa é boa e altruísta. Vai entender.

Falar sobre razões e motivos é confuso. Às vezes não tem razão nenhuma. Motivo nenhum, mas aquele maldito rosto não sai da tua cabeça. É tão confuso que muitas vezes a vítima nem sabe que se apaixonou. Os sintomas são claros, mas dá medo de admitir, ou de arriscar. É um assunto tão confuso que eu não sei como terminar o texto. Bem que me disseram pra não escrever apaixonado, que isso podia embaralhar as idéias. Mas pera aí, eu não tô apaixonado.

Tô?