quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Geléia de histórias

Um mendigo, um garoto suicída, um assassino, pessoas em relacionamentos fracassados, um filho de uma puta - quase literalmente -, um homem de nada. Não, não são personagens de um filme. Nem uma lista de parentes. São eu-líricos de algumas das músicas de maior sucesso de uma das maiores bandas de rock da história: o Pearl Jam.

Tudo bem, considere-se o contexto. O Pearl Jam foi uma das bandas mais importantes do movimento grunge - a mais bem sucedida, sem dúvida. E o movimento grunge é talvez o momento mais introspectivo e sombrio da história do rock. Não é a toa que o simbolo do negócio todo, o vocalista do Nirvana, Kurt Cobain, se matou aos 27 anos de idade.

Logo no começo de tudo, quando Eddie Vedder foi convidado a escrever três letras para músicas criadas pelos outros membros da banda, o caminho a ser seguido já estava claro. As três músicas formavam uma história só: "Alive" fala sobre um garoto que descobre que o pai era na verdade seu padrasto. Seu verdadeiro pai já estava morto. Ainda por cima, existe um complexo de édipo mal resolvido entre o filho e a mãe.

A música seguinte, "Once", conta a história de um assassino que não consegue mais se controlar. Seguindo com o enredo, "Footsteps" fala sobre um homem condenado à morte, que culpa a mãe pelos erros que o levaram até aquela situação. As três músicas se sustentam sozinhas, mas fazem parte de uma só história. O começo é em parte auto-biográfico, já que Vedder de fato descobriu aos 13 anos que seu verdadeiro pai, uma pessoa praticamente desconhecida, já estava morto. O resto é imaginação e inspiração.

Os personagens de Eddie Vedder mostram as faces mais sombrias da alma humana, são as pessoas invisíveis para a sociedade - o que tavez seja um tanto perturbador para os desavisados. Mas talvez aí também esteja a chave para o sucesso do Pearl Jam: o lado falho do ser humano comum e os seus problemas com a família, com a vida em grupo e com os relacionamentos são os temas mais abrangentes e com mais possibilidades de identificação por parte de quem ouve. O Pearl Jam, em seus primeiros cds, consegue explorar isso como poucas bandas.

Exemplos não faltam. Em "Daughter", uma criança com dislexia não é compreendida pela mãe. No refrão, a mãe pede: "Don't call me, daughter. Not fit to. The picture kept will remind me (Não me chame, filha. Não estou pronta pra isso. O porta-retratos vai lembrar de mim)". "Why Go" fala sobre outra menina, posta em um hospital psiquátrico contra a vontade. Segundo Eddie Vedder, essa música é inspirada em uma garota real. Ao verem a filha fumando maconha, os pais consideraram que ela tinha algum problema e a puseram em uma espécie de hospício - aos 13 anos de idade. "Betterman", "Nothingman" e "Black" são algumas das canções da banda sobre relacionamentos. Alguns já terminados - de forma traumática -, outros que não deviam mais existir. Por aí vai.

Em uma entrevista recente, Eddie Vedder admitiu que seu processo de escrita mudou bastante nos últimos anos, o tornando mais otimista nas canções dos últimos trabalhos do Pearl Jam. Isso é claramente visto no cd mais recente da banda ,"Backspacer", de 2009. Músicas como "The Fixer" e "Speed of Sound" transbordam esperança, mesmo com os problemas de sempre.

Nem melhor nem pior, o novo Pearl Jam é diferente, com uma visão mais política e mais humanitária do mundo. As canções continuam boas, e de certa forma estão mais maduras. Há algum tempo a banda não produz personagens tão profundos quanto aqueles das primeiras canções, já marcados para sempre na história, e isso talvez decepcione os saudosistas. Mas o momento é outro. Para o bem da música, a banda se recicla. E para o bem da música, aquelas histórias e aqueles personagens um dia foram contados. Alguém precisava falar deles.

O Pearl Jam volta ao Brasil em novembro deste ano, seis anos depois da primeira visita ao país, em 2005. Além disso, em setembro será lançado "Pearl Jam: Twenty", um documentário contando os 20 anos da banda.