segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A revelação

Bomba!

Deus e o diabo são a mesma pessoa. É notícia quente, fonte segura. Tenho informações de dentro do esquema. Meu informante pediu sigílo absoluto, mas diante de tamanha importância do fato, decidi compartilhar com o povo. É meu dever como cidadão. Pra provar a veracidade da história, vou contar tudo que me lembro.

Era uma noite chuvosa em Curitiba. Após fazer amor com minha namorada Rosane, decidi tomar uma dose de Whisky. Fui até o bar e percebi que a garrafa estava vazia. Logo imaginei que Rosane pudesse estar bebendo escondida, o que explicaria aquele comportamento evasivo das últimas semanas, mas essa ideia rapidamente me pareceu estúpida.

Rosane estava especialmente desafiadora aquela noite. Por isso decidi esvaziá-la, dobrá-la e guardá-la em sua gaveta. Eu não aguentava mais olhar pra aquela boca aberta, com aquele ar de deboche. Nosso relacionamento estava por um fio.

Me vesti, fechei o apartamento e desci. A chuva estava forte, mas o Bar do Tonhão era logo ali na esquina. Cheguei lá encharcado e sentei no balcão, no mesmo lugar de sempre. Não reparei de primeira a figura sentada lá no canto, escondendo o rosto. Quando me dei conta, perguntei pro Tonhão quem era o tal, mas ele não soube dizer.

Depois de beber socialmente, como sempre, cambaleei até o desconhecido, não sem antes tropeçar nas 5 pessoas que estavam no caminho. Elas estranhamente eram muito parecidas e faziam os mesmos movimentos, mas essa cidade tem tanta figura estranha que eu nem me importei.

Chegando ao meu destino, abracei calorosamente o cidadão e perguntei qual a razão de tanta timidez. Ele também muito sóbrio, muito polido, desandou a chorar copiosamente e a falar coisas sem sentido. Só se acalmou quando eu pedi uma garrafa da pinga caseira do Tonhão.

Foi aí que ele me contou a história. Consta que meu amigo era secretário-geral do partido de Deus lá no céu. Uma espécie de anjo responsável pelas contas do negócio. Entre um copo e outro, ele disse que gostava muito do trabalho. Era meio massante, o pessoal era meio condescendente, mas o salário era bom e as festas de fim de ano sempre tinham Jesus Cristo em pessoa, animando a galera com piadas sobre a frouxidão de São Pedro.

Tudo corria muito bem. Até que um dia, depois de uma festa da empresa, meu informante estava procurando o banheiro quando, sem querer, entrou no camarim de Deus. Chorando novamente, ele me disse que nunca deveria ter bebido tanto aquela noite. Segundo ele, Deus estava lá, de frente para o espelho, vestindo uma roupa de diabo e fazendo caretas pra si mesmo. Ao ver meu amigo, o Senhor tentou disfarçar, dizendo que era apenas sua fantasia para a festa de dia das bruxas, que era um presente de Jesus, dado por pura molecagem, mas não teve jeito.

Deus então confessou. O verdadeiro diabo tinha desistido de reger o inferno séculos atrás, logo depois de perder a casa aqui na Terra numa aposta, o consequente abandono de sua mulher e dos amigos, e a inevitável depressão que isso causou ao pobre. Dizem que hoje ele vive no Hawaii, surfando nas horas vagas e cuidando de um restaurante.

Deus tentou arranjar um substituto, mas ninguém queria a responsabilidade de ser a encarnação do mau. O único jeito que Ele encontrou foi bater o cartão diariamente no céu e, em dias alternados, dar uma passada no inferno. Sentenciar alguns bandidos, definir alguns castigos, essas coisas que se faz por lá. Até aquele dia ninguém tinha descoberto.

Meu informante ficou abismado. Era agora conhecedor do maior segredo de Deus! Mas o Senhor, com a desculpa de manter o equilíbrio entre o céu e o inferno e essa besteira toda, disse que ele não poderia continuar sendo anjo sabendo tanto. Meu amigo ficou petrificado. Tentou argumentar, mas sem sucesso. Disse até que, em último caso, ficava ele no lugar do diabo. Diante dessa oferta, Deus levantou da cadeira, usou a máscara - única peça que faltava - e disse: "Sinto muito, camarada. Se eu aceitasse, como eu faria pra aturar aquele bando de gente chata sem descarregar minhas energias no inferno? Ninguém aguenta ser bonzinho o tempo todo não!" E paf, mandou ele aqui pra Terra.

Depois desse relato, minha fonte estava esgotada. Eu falei pra ele ir ao banheiro, lavar o rosto e se recompor. Quando ele levantou, deu pra ver as asinhas encolhidas por debaixo da blusa. Estava um trapo. Assim que ele foi, saí em disparada pela porta. Um segundo depois voltei, peguei a garrafa de pinga ainda pela metade e saí correndo de volta.

Enquanto caminhava de volta ao apartamento, pensei nas oportunidades que essa descoberta me proporcionaria. Enquanto pensava, tropecei na minha perna esquerda e caí na vala ao lado da rua. Cheguei à conclusão de que ali era um bom lugar para dormir. Enquanto pegava no sono, pensei em Rosane e no seu ceticismo. Ela nunca acreditaria em mim.


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