quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Passeio

Um homem estava sentado no banco de uma praça, em um dia ensolarado. Apesar do clima convidativo para um passeio, o local estava praticamente deserto - exceto pela cancha de areia, que ficava pouco mais de uma dezena de metros atrás do banco já citado. Nela, várias crianças brincavam com uma bola, algumas descalças, outras sem camisa, e por aí vai. No entanto, junto à grade de proteção do lugar, um garoto está apoiado, cabisbaixo. Diferentemente de seus colegas, ele veste camiseta, bermuda, meias e tênis. Além das roupas de baixo, provavelmente.

O garoto caminha lentamente para fora dali, e se dirige ao banco da referida praça. O homem ainda está lá, e ignora a chegada do pequeno. Ele continua mastigando um sanduíche amassado, do qual caem farelos por toda sua blusa. Sem se incomodar, o rapaz parece orgulhoso do lanche que come.

O menino mirava o céu com os olhos, quando perguntou:

- Porque o céu é azul?
- Nhum... - grunhiu seu colega de assento, enquanto engolia um pedaço de presunto que lhe veio inteiro à boca -. Bem, o céu eu não sei direito. Mas sei que o mar é azul porque ele reflete a cor do céu! - concluiu, com um certo ar de sapiência.
- Ué - replicou o garoto. - Nada a ver. Já fui pra praia umas mil vezes, e sempre vi que o mar é verde.
- Mil vezes? Quanto exagero para alguém do seu tamanho. Você nem sabe do que está falando - disparou o homem.
- Como assim? - retrucou o garoto, ingênuo.
- Ah, você entendeu. Mas pare com isso. Cor do céu, cor do mar... deixe de perguntar coisas idiotas e vá brincar com os outros. Aproveite que você é criança, e que ainda não tem responsabilidades.
- Mas eu não quero brincar de nada! - berrou, com o rosto avermelhado.

O menino ficou nervoso e ensaiou fazer birra, mas, percebendo que estava diante de um estranho, tentou adotar uma postura de força. Engoliu a seco um princípio de choro, fixou seu olhar na direção do chão (elevando "mil vezes" sua confiança) e continuou.

- Eles só querem jogar bola, chutar areia um no outro. Lá em casa é tipo isso, ficam fazendo coisas que eu não gosto. Não gosto de lá, e por isso não quero voltar pra lá. Que droga, saco.
- Tá bom - respondeu o homem, querendo se livrar do moleque -. Já entendi. Me diz onde estão seus pais, que eu te levo com eles e você vai embora daqui. Acalme-se.
- Meus pais não estão aqui. Eles viajaram quando eu era criancinha. Eu moro com minha vó, naquela casa ali - disse, apontando para uma simpática casa próxima de onde estavam.

O homem avistou a casa apontada pelo garoto, e arregalou os olhos. Depois de fazer uma expressão pensativa, riu e embrulhou o pedaço restante do sanduíche.

- Olha carinha, não vou te levar lá não. Vai sozinho.
- Nem me leve, mesmo. Não quero voltar. Eu fugi sem ninguém me ver. - falou o garoto, misturando tons de culpa e de obstinação em suas palavras -. E nunca mais quero voltar. Vou andar pelo mundo. Quero ser astronauta.

Limpando os farelos de sua roupa, o rapaz tornou a rir. Balançou a cabeça, respirou fundo, e interrompeu o clima sonhador que a conversa tomara.

- Eu fiz a mesma coisa que você quando era menor, garoto. E hoje tô aí. Morando na praça. No começo foi divertido, era uma aventura, sabe? Mas depois você cresce, e aí você se fode. Tem quem consiga se dar bem, mas comigo não rolou. Isso é coisa de filme. Esquece os filmes. A vida é isso aí. Acha que estou usando essa roupa quente pra cacete nesse calor por quê? É a única que tenho pra usar agora. Você tá reclamando porque tá com roupinha lavada. Quem tá na merda é que sabe o que é ruim de verdade. Se você tem uma ideia na cabeça, vai nessa. Mas pensa bem, se não acaba virando um mendigo que nem eu.

O garoto, desacostumado a ouvir broncas
e palavrões, ficou assustado com o que acabara de ouvir. Ele nem havia percebido que o homem era um morador de rua, quando, de uma hora para outra, se viu encurralado pelo discurso do mesmo.

O mendigo deixou o banco e ficou de pé, para então usar a grama atrás do banco como colchão. O silêncio tomou conta dele e do garoto por poucos minutos, quando o mais jovem se deu por vencido.

- Tá bom. Vou voltar para casa. Até logo.

O homem esboçou um sorriso, e entregou um guardanapo com farelos para o menino. Em seguida, deitou-se e fechou os olhos.

- Vai lá. Pede desculpas para sua vó, e diz que o sanduíche estava ótimo. Depois, diz pra ela bem assim: "eu sei de tudo", e pergunta pra ela se seus pais estão viajando mesmo. Só não vá querer fugir de novo depois que ela te responder.

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