segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Para J.

Bom, isso é uma carta. Nunca escrevi uma. Eu devo começar com a data? Curitiba, 27 de agosto de.. Não, isso não parece certo. Acho que a data vai no cabeçalho, ou algo assim, não? Não importa, também. Tenho algumas coisas a dizer, meu bem.

A primeira e mais óbvia é que eu te amo. Embora nós tenhamos combinado que não usaríamos esse termo comercial e rasteiro usado pra definir um sentimento tão complexo, te amo. Te amei desde a primeira vez que nos falamos. Bem, você falou - eu gaguejei . "Que rua é essa?". "É a sal-sal-sal.." Era a Saldanha Marinho, caso você ainda queira saber. Na hora isso não saiu da minha boca, sei lá por que. Você riu de mim. Eu ri também, por dentro. Talvez eu não tenha te amado naquele momento, mas eu quis.

Você entrou na minha vida. Tirou o tênis, deitou no sofá da sala, ligou a tv e não saiu mais. Eu não precisava de nada, mas precisei de você. Sem mais nem menos, precisei te ver. Precisei conversar com você, te impressionar, te fazer rir de mim de novo. Paixão. Coisa de jovem, dizem. Sabe como são os jovens, né? Impressionistas, impressionáveis. Sabem tudo e no dia seguinte fazem a descoberta do século.

Eu não preciso te contar como foi a nossa história. Você sabe dela até mais do que eu. Sabe de todos os momentos de sol, dos de chuva e, no mais das vezes, dos de marasmo. Sabe de todas as vezes que eu cheguei atrasado e até ontem, depois de quarenta anos de casamento, você ainda me olhava com aquela cara de reprovação escolar quando eu chegava cinco minutos depois do horário.

Promessas nunca foram o meu forte. Você sabe. Era o nosso jogo favorito. Eu prometia que moraríamos na praia quando você dizia sentir falta do mar. No fim de semana seguinte a gente tava na 277, em direção a dois lindos dias de sol em Matinhos. Eu prometia o que não podia cumprir só pra te fazer sorrir. Com sucesso, na maioria das vezes, apesar do preço que eu sempre pagava.

Quando nos casamos, o Julio perguntou se ficaríamos juntos até que a morte enfim nos separasse. Eu prometi que sim. Lembrei desse momento quando assinamos hoje à tarde os papéis do divórcio.

Não foi como se eu acordasse e soubesse de repente que precisava ir, meu bem. Eu soube com o tempo. Você me fez acreditar que a vida é o que nós fazemos dela. Você me fez acreditar que eu deveria fazer o que quisesse todos os dias - ou pelo menos tentasse, em alguma parte deles. Durante quarenta anos você foi tudo o que eu quis.

Mas alguma coisa nasceu em mim. Como uma nova criança na família, inquieta e petulante. Tomou posse de mim. Me dizia que chegaria o momento em que eu precisaria ir, embora eu me recusasse a escutar. Simplesmente ir. Essa vontade foi crescendo como uma flor em um jardim já desgastado. Ainda bonito, mas estático. Eu precisei de movimento novamente, como aquele que eu tive aqui dentro quando te conheci.

Talvez você não entenda, mas a culpa é sua. Foi você que me fez ter vontade de viver durante minha vida toda. A culpa é toda sua se, aos 67 anos de idade, eu ainda quero. Eu ainda quero correr na praia enquanto um temporal se anuncia. Eu ainda quero viajar até uma cidade completamente estranha e ficar lá um tempo, até cansar. Eu ainda quero fazer amigos e beber ao ar livre durante um pôr do sol qualquer e único. Eu ainda quero.

Obrigado pela minha vida. Ela é toda sua. Você é parte de mim e estará em cada passo que eu der. Depois de tanto tempo é impossível que não seja assim. Vou te escrever sempre que o tempo mudar. Sempre. Prometo.

M.

Ps: Agora há pouco, enquanto eu escrevia sentado num banco da rodoviária, uma menina de uns quatro, cinco anos, parou na minha frente e me olhou com uma cara de desaprovação. Perguntou se eu sabia que a sacola plástica do meu lado demoraria 8 milhões e bastante anos pra desaparecer e que isso acabaria com o planeta. Eu disse que não sabia, e prometi nunca mais pegar uma dessas no mercado. Mulheres mandonas parecem ser minha sina, se estávamos procurando uma.