terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Amém


'Deus é um comediante a atuar para uma platéia assustada demais para rir.'
Voltaire

"A memória é uma ilha de edição", já diria Wally Salomão. Até rimou. (Prometo que agora eu paro com as citações. E com as rimas. E com os parênteses) Ao editar um vídeo em uma ilha de edição, você escolhe as cenas que vai usar, joga fora os erros e deixa tudo mais bonito com uma trilha sonora bacaninha. É igual na nossa memória. Porém, dentro dos nossos cérebros, as vezes, algumas cenas continuam fazendo parte da história, mesmo não sendo essenciais para o roteiro, a princípio.

A princípio, porque durante o filme elas vão se encaixando. Eu lembro de uma conversa com meu irmão quando os dois eram crianças, eu mais criança, ele quase adolescente. No nosso quarto tinha um cristo crucificado pendurado na parede. Não sei por qual razão, ele olhou pra imagem um dia e disse "Por que será que eles sempre fazem imagens dele sofrendo? Por que não sorrindo, mostrando bondade?"

Eu sempre pensei em escrever sobre Deus, religião, essas coisas. Sempre pensei muito sobre isso. Hoje, quando tava pensando no texto e buscando elementos pra desenvolver, lembrei dessa conversa e de como ela representa bem uma parte do meu sentimento em relação a tudo isso. Todas as religiões, pelo menos hoje, e pelo menos as que eu conheço, baseiam a fé no medo. Quando as pessoas fazem o bem pensando na religião, fazem por medo de ir pro inferno, por medo de serem julgadas, não por vontade. Fazem porque, senão, Deus castiga.

Eu não consigo acreditar em um Deus tão egoísta que precise ser adorado para fazer o bem ao seus filhos. Sempre pensei na seguinte situação: um cara nasce no meio do oriente médio, com a familia dele toda seguindo o islamismo. Obviamente, ele segue esta religião. Imagine que esse sujeito é o ser humano mais bondoso e altruista que já pisou nessa terra. Dá dinheiro aos pobres, salva criancinhas das bombas, ajuda velhinhas de burca a atravessarem a rua. Um belo dia ele morre. Chega no céu, São Pedro olha a ficha do cidadão com um sorriso na cara. Até chegar ao final, onde consta o registro "Acredita em Jesus? Não". São Pedro se compadece, mas nada pode fazer. Puxa uma alavanca e o sujeito cai, destinado a queimar para sempre no mármore do inferno. A situação vale pros dois lados. Vale também para um índio no Brasil antes da chegada da civilização. Pra qualquer membro de uma tribo africana.

Deus, pra mim, é muito mais do que isso. Deus não impediria que eu aproveitasse a vida que Ele me deu da forma que eu quisesse. Não impediria que eu aprendesse com meus erros, e que tivesse orgulho de ter passado por eles. Deus não demonizaria o sexo, como a imensa maioria das religiões faz, em nome da hipocrisia, e não do D'ele. Deus não ia querer que eu fizesse o bem só por medo, por obrigação. Ele não faz isso tudo.

Quem faz é o homem. Sim, foram homens que escreveram os livros sagrados. São homens que pregam na igreja, na mesquita, onde for. Homens, como eu e você. Que, por mais estudiosos e comprometidos que foram ou são, sabem tanto dessa vida quanto eu ou você.

Homens que insistem em dizer aos outros homens e mulheres e crianças o que fazer e o que pensar e do que ter medo. E o medo cega. E cegas, as pessoas não vêem a vida e o mundo maravilhoso que o Deus que elas tanto temem nos deu.

Mas que susto não irão levar essas velhas carolas se Deus existe mesmo...
Mário Quintana

2 comentários:

Mariana Braga disse...

Sempre pensei muito nisso e adorei a forma como você expôs o tema.
Antes eu ia direto à igreja, mas me incomodava muito quando passava a sacolinha ao lado, por causa de toda a 'ideologia'do medo que está por trás dela.

Muito muito bom texto, Bru.
Beijos.

Zeca Monteiro disse...

Concordo com tudo que voce falou em genero, numero e grau.

Muito bom o texto!