terça-feira, 7 de setembro de 2010

Ocupado



Tinha medo de telefone. Nenhum motivo racional ou razão sobrenatural pra isso. Nenhum trauma de infância. Tinha medo. Quando ligavam pro escritório, dava um jeito de sair de perto. "Meu Deus, preciso falar com o Pedrão" e saía apressado. Em casa, só um computador. Nada de ligações.

Já tinha até uma tática pré-definida pra quando a mãe ligasse pro escritório. Tirava o telefone do gancho, dizia oi, falava "tudo bem" e perguntava "Como vão as coisas?". Aí era só deixar o telefone em cima da mesa e ir fazer seus afazeres. Depois de meia hora voltava, falava "uhum" algumas vezes e depois se despedia, dizendo que precisava resolver algumas coisas. Era batata. Mais tarde, conversava com o irmão pelo MSN e conferia se estava perdendo algo importante. Quase nunca estava.

Uma vez uma secretária distraída disse pra um cliente que ele estava no escritório. Aquele dia ficou conhecido como "O dia da grande tormenta angustiante". Teve que atender. Conversou por 10 longos minutos com o cara. Quando desligou, suava. A secretária era sua amiga de infância. Tinham crescido juntos, conversavam sempre, davam risada juntos. Foi demitida no ato.

Sabia que não era uma condição normal, mas nunca tivera grandes problemas. Seguia com a vida. Um dia, um amigo o chamou, pessoalmente, pra um bar que havia inaugurado recentemente. "Não tem telefone lá!", disse, brincando. Ele foi. Não tinha telefone mesmo. Bebeu, riu, conversou, até conheceu uma menina. Ficaram horas conversando. Tinham tudo em comum. Umas três vezes disseram "Adoro essa música" juntos.

Fazia tempo que não conhecia alguém assim. Aliás, desde que tinha se separado, mais de 2 anos atrás, não conhecia alguém. Pensou na solidão do apartamento. Dos dias frios e quentes que passava sozinho. Não teve dúvidas: "Me passa teu MSN?". Ela desviou o olhar. "Sabe, não leva a mal, mas eu tenho um probleminha com esse negócio de conversa por computador". A noite já estava no fim, eram praticamente os últimos no bar. "Mas eu te passo meu telefone! A gente pode marcar algo pra amanhã!"

Ele levantou da cadeira dizendo que, na verdade, estava ocupado demais nos próximos dias. Saiu assobiando pela porta da frente.

2 comentários:

Zeca Monteiro disse...

hahahahha

Na real acho que todo homem tem uma certa aversão a telefone.

No meu último emprego que só tinha homem, as vezes tinha uns 5 perto e ninguém antendia.

Eu, a não ser quando estou esperando, sempre tento deixar pra que outra pessoa atenda.
Deu pra se identificar bastante com a história. haha

Jé Maes disse...

faz ele voltar lá e pegar o telefone dela JÁ!