segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Uma bala

O barulho a fez abrir os olhos lentamente. Ainda estava naquela transição entre sonho e realidade quando ouviu as batidas na janela do quarto novamente. Agora mais fortes.

Toc, toc!

Dessa vez levantou da cama num pulo. Ficou ali sentada. Paralisada. Morava naquela casa desde que se conhecia por gente. Apesar do bairro tido como violento, nunca tinha sido assaltada ou nada assim. A casa nunca havia sofrido nenhum tipo de invasão, e mesmo que tivesse, a responsabilidade seria de seus pais. Em último caso, do seu irmão mais velho. Nesse dia, com a família toda viajando, a responsabilidade era sua.

TOC, TOC!

Imaginou que dessa vez a janela quebraria. Não quebrou. Sem pensar, resolveu falar.

-Q-quem ta aí?

A resposta veio envolta em uma voz cavernosa, mas nitidamente forçada. Parecia uma criança tentando parecer homem.

-Moça, é o seguinte. Eu tô com uma arma apontada aí pra dentro. Eu quero todo o dinheiro que você tem aí, ta me entendendo? Tudinho! Senão eu mando bala.

Nunca tinha sentido tanto medo na vida. Continuava paralisada, sentada no meio da cama. A janela era bem no meio da parede do quarto. Qualquer tiro vindo dali a acertaria. Quando resolveu esboçar um movimento de fuga, a cama rangeu.

-Moça, eu não to brincando! Eu sei que você ta sozinha aí! Se você se mexer sem eu mandar, eu atiro!

Pregada na cama, ela tentava pensar, mas o medo não deixava. Perguntou o que ele queria que ela fizesse.

-Eu sei que teu dinheiro ta aí na tua bolsa, do lado da cama. Pega tudo que você tiver e passa por essa fresta aqui na janela, mas sem olhar pra fora! Se você olhar pra mim a faxineira vai te amaldiçoar por ter que catar teus miolos pelo quarto!

Aquela voz forçada, quase infantil, o temor do bandido pela possibilidade que ela olhasse pra fora, claramente pra evitar que ela desmascarasse o disfarce de um pivete com um pedaço de madeira na mão. Esse desgraçado tá tentando me passar pra trás, pensou, convicta.

-Moça, eu to perdendo a paciência! Ou você me dá o dinheiro ou..
-Ou o quê? Vai atirar em mim com a tua arma imaginária? Atira espertão!
-Moça, você tá brincando com a sorte..
- Quem tá brincando aqui é você, seu maloqueiro de merda! Vai embora da minha casa! Era só o que me faltava mesmo..

O meliante esperou. Não estava entendendo o subito silêncio. O plano parecia perfeito.

-Moça? MOÇA! Mas que filha da..!

Ele ficou parado ali, com o revólver 38 encostado na janela. A voz fina não combinava com a estrutura física. Eram quase 2 metros de estrutura física. Olhou o tambor da arma. Uma única bala. Deu vontade de fazer a infeliz lá dentro engolir essa última bala. A desgraçada já tava até roncando! Mas não dava, precisava da grana. Colocou o revólver na cintura, pulou o muro e foi pra rua. Enquanto procurava outra casa, foi reclamando da sorte. "Eu até acertei que a vadia tava sozinha. A bolsa dela tava mesmo no quarto! Ah se eu tivesse mais uma bala. Umazinha só!"


Um comentário:

Zeca Monteiro disse...

Pia, qual dos dois é você? O bandido ou a moça?

Tá, parei. Juro.