segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Até que a morte os liberte



Escutar conversa no ônibus é uma relação social bastante interessante. As pessoas acabam demonstrando, sem querer, vários traços dos seus relacionamentos durante inocentes conversas em público. Quem nunca ouviu aquelas simpáticas senhoras falando sobre a vida da vizinha meretriz, ou do genro vagabundo, ou do filho estudioso, quase sempre com aquelas vozes amenas e suaves, parecidas com o som contínuo do trânsito as 6 hrs da tarde.

Pois bem, dia desses eu ouvi algo que me fez pensar sobre as relações humanas e tudo mais. Não foi nem no ônibus, foi esperando o meliante. Tava no tubo, ouvindo rádio no celular (meu mp3 faleceu já a algum tempo) com um fone apenas, em parte pra deixar a outra orelha atenta ao mundo, em parte por que o outro fone também não está mais entre nós, quando toca o celular da senhora ao meu lado. Ela atende e segue um diálogo mais ou menos assim:

-Ah, agora você ta aí!!
-Pois é, mas antes não tava!!!
-Não interessa! Tinha que estar em casa!
-Deixa eu falar com o meu filho..
-E acho bom que você esteja aí quando eu chegar!!
...
- Oi meu amor! Mamãe já tá chegando, tá?
- To levando alguma coisinha pra você comer
- Beijo, te amo. E ó, não deixa teu pai sair de casa hein?


Eu fiquei imaginando esse casal no começo da relação. Devia ser tão bom. Eles jovens, carinhosos um com o outro, realmente querendo estar sob o mesmo teto sem querer dar um tiro na pessoa amada. Deviam fazer sexo, no mínimo, umas 2 vezes por dia. Ai corta pra cena da conversa no celular. Deprimente.

As vezes parece que o tempo acaba com qualquer relação, principalmente as que envolvem sentimentos. Aí entra o casamento. Um contrato assinado que tem por objetivo destruir a ordem natural das coisas. Tudo na vida começa, acontece e acaba. A maior prova disso é justamente o amor, a paixão, o sentimento. Como diria Vinicius, 'que não seja eterno, posto que é chama'. É chama e se apaga. Minto, não acaba, nem se apaga, se transforma, em outra coisa que pode ser boa ou ruim. Mas isso é outro papo. O certo é que o que você sente não vai durar pra sempre. Mas ao invés de simplificar as coisas, ao invés de investir na sinceridade, nós nos prendemos ao expediente social. Tem um texto do Arnaldo Jabor em que ele escreve que o melhor a se fazer seria dizer um pro outro algo como "olha, vamos passar por bons e maus momentos e, mais cedo ou mais tarde, um dos dois, ou os dois vão querer pular fora, mas se eu não pedir que fique comigo, tenho certeza de que vou me arrepender pelo resto da vida".

Seria manter a beleza e a novidade do começo do relacionamento por ele todo, até que se acabe, naturalmente. Somente um sonho, talvez. Mas um sonho sem contrato. Iria doer, penso eu, terminar algo tão bom. Mas pelo menos nós não seríamos obrigados a ver algo que foi tão bom definhar e se tornar uma competição pra ver quem consegue ferir mais o outro, em nome do sagrado matrimônio. Pra não traumatizar as crianças. Por que terminar seria feio, moderninho demais. No fim, somos todos pedras paradas no mesmo lugar.

Toca Raul, de novo.


Ps: Odeio vídeo com imagens.

3 comentários:

Zeca Monteiro disse...

Esse texto se encaixa perfeitamente com o que você disse no debaixo, que "uma atração física, junto com um certo nível aceitável de conversa, misturado com a vontade de estar junto é mais do que suficiente pra se dizer 'eu te amo'." Acho que as pessoas confundem demais e no futuro dá nisso aí. haha

Mariana Braga disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mariana Braga disse...

Muito bom, Bru!
Eu penso muito sobre isso.
Eu acho que existem certos sentimentos e tipos de relacionamento em extinção, mas que eles talvez nunca tenham existido como os filminhos de amor mostram.
Algumas pessoas parecem ainda conseguir perpetuar uma paixão. Espero que eu seja uma delas, rsrs.